sábado, novembro 29

"Poucos são aqueles que vêem com seus próprios olhos e sentem com seus próprios corações."


A frase dita há algumas décadas por Albert Einstein tende a se imortalizar. Tão real  que é. Sociedade moderna trocou  olhos, ouvidos e coração por traduções da realidade produzidas pelos mass media.  Atualmente está agendada, principalmente pelas redes nacionais de televisão, a calamidade em Santa Catarina onde centenas estão sucumbindo diante a força da enxurrada que desaba dias a fio. Aos milhares estão desalojados ou desabrigados. As imagens exploram ao máximo a dor de um povo, onde cada lágrima em close é transportada aos milhões de lares brasileiros, sensibilizando o outro lado da tela.  

O espetáculo é real, mas é espetáculo. Os personagens são reais, mas personagens. Ninguém consegue ver com os próprios olhos, por isso tão indispensável ao andar de uma sociedade o frio olho da câmera. A população passa a pensar e a sentir como quer o repórter fulano de tal da rede Cicrano & Beltrano. Logo, bem-intencionadas criaturas filhas de Deus, após a decodificação das mensagens lançadas, e nunca antes disso, passam a sentir todos os efeitos que o bombardeio de informações é capaz.  A partir daí, campanhas de solidariedade são desencadeadas, atraindo todos aqueles movidos de bons sentimentos. Doações que se medem em toneladas são feitas no esturricado solo cearense.  

Acontece que realidade parecida, ou até muitas vezes muito pior, nos cerca diariamente, mas nossas percepções nos levam em direção contrária. O primeiro movimento aos nos deparar com a situação sofrida de nosso povo, de nossa gente, nossos irmãos que estão ao nosso lado é de repulsa.  Situações catastróficas acontecem diariamente no 25º estado mais pobre do país, e na capital de maior concentração de renda do nosso desigual Brasil. Nenhuma campanha é lançada, imagens mobilizadoras não são produzidas, e o cotidiano de desgraça nos desensibilizam diante das entranhas abertas da cidade, como estratégia de bem-estar.  Fechamo-nos em nossos círculos restritos de convívio e esquecemos, como se não existissem, aqueles que nos pedem socorro com um pedido de esmola, uma oferta de graxa no sapato, uma flanela sobre o vidro, ou uma criança no colo.         

Felizes são aqueles que vêem com os seus próprios olhos e enxergam com os seus próprios corações.  Agora, muito provavelmente impulsionada pela agenda de desgraças no sul maravilha, a imprensa local volta os olhos para os fenômenos nossos e mostra um cenário devastado pela ausência de chuvas e políticas eficazes para afastar de uma vez por todas a condição mendicante de nossa gente.  

Certamente não nos serão liberados os generosos bilhões de reais despejados automaticamente, esta semana, nos cofres já abastados dos poderes constituídos catarinenses. Certamente a desculpa é que a solução do problema não vem porque alguns coronéis patrimonialistas desviaram, desviam e sempre desviarão toda e qualquer ajuda que possa vir do poder central.  Só nunca apresentam a fatura indicando que toda a ajuda que já veio até aqui para tentar salvar aqueles que morrem à míngua não chega a uma Itaipú Binacional, uma ponte Rio-Niterói ou a integração de bacias dos rios Paraná-Tietê. Nem todos os Lulas da vida modificaram a perversa divisão do dinheiro nacional, onde quase 40% da população só visualiza 10% da distribuição da riqueza do país, via transferência de impostos. E com um extremo cinismo, ainda afirmam que é o Nordeste o responsável pelo atraso nacional. Afinal de contas, os problemas do Nordeste são só da região, enquanto que os demais, são problemas nacionais. 

PS. A foto é a capa de O Povo de hoje