quarta-feira, setembro 10

Eu e a grampolândia

De uns dias para cá, praticamente todos veículos de comunicação dedicaram matérias, artigos, comentários ou repercutiram frases de autoridades sobre os grampos telefônicos localizados em diversos gabinetes oficiais que não respeitaram nem a presidência do Supremo Tribunal Federal. A idéia geral que tentaram passar para a população, através da mídia, é que a grampolândia seria um atentado ao regime democrático de direito (sempre ele) e que estaríamos à beira de um regime totalitário, caso medidas urgentes não fossem adotadas impedindo a ação dos arapongas.

Mas ninguém se deteve a avaliar a proveniência do grande susto que alguns figurões estão tomando com a possibilidade iminente de ser alvo da arapongagem. Ou já terem sido. É claro que ninguém se apavora por ter sido apanhado combinando uma praia no final de semana, ou uma ida ao shopping, ao telefone. Muitos figurões devem estar com conversas bem cabeludas, e temem que ao serem flagrados passem a ser alvos de chantagens, ou coisa parecida. Daniel Dantas não liga para Gilmar Mendes para comentar o resultado do último jogo do Corinthians, certamente. Saindo da vala comum, Marcelo Coelho faz uma avaliação do surgimento da grampolândia no país, na folha de São Paulo de Hoje, Caderno de Cultura, que aqui eu reproduzo, e assino em baixo:


Com todos os abusos que possam ocorrer, uma autoridade grampeada é uma autoridade mais transparente

Assunto delicado, esse dos grampos. Prometo ser cuidadoso no que vou falar aqui, mas eu tendo a discordar do espírito geral dos comentários feitos sobre o tema.Estado policial, retorno aos tempos da ditadura, da Gestapo, da KGB? Comparações desse gênero viraram moda.Preocupa bastante, é claro, a disseminação das escutas ilegais. Mas acho que estamos diante de um fenômeno novo, que não se confunde com a antiga realidade dos regimes totalitários.Tome-se o exemplo da Alemanha Oriental, pátria da famosa Stasi; quem viu o filme "A Vida dos Outros" sabe o pesadelo que era aquilo.

Qualquer suspeito de ser opositor do regime tinha as suas conversas monitoradas.

Numa cena impressionante, uma velhota, vizinha de um cidadão suspeito, abre por acaso a porta do seu apartamento e percebe que um grupo de agentes policiais está no corredor, pronto para instalar os aparelhos de escuta.

O chefe dos arapongas se aproxima da velhota e avisa: se ela contar a alguém o que acabou de ver, sua neta perderá a vaga na faculdade. A velhota fica evidentemente quieta, não revela ao vizinho que ele está sob vigilância e se torna, na prática, cúmplice do regime.

Não é preciso dizer que toda conversa vagamente incriminadora, captada pelos agentes secretos, significa a prisão imediata do suspeito, que, com tortura ou sem tortura, assina uma confissão, é condenado ou provavelmente termina fazendo parte dos informantes do regime.

Para que esse modelo de Estado policial funcione, alguns pressupostos são necessários. O primeiro é que só a polícia detenha os equipamentos de espionagem. O segundo é que a informação passe a ser imediatamente utilizada pelo sistema repressivo. O terceiro é que esse sistema repressivo seja mais ou menos clandestino, ocorrendo à margem da Justiça oficial: cada prisão se assemelha a um seqüestro. O quarto é que, para ter qualquer coisa, emprego, moradia, estudo, o cidadão dependa do Estado.

O funcionamento da "grampolândia" hoje em dia é bastante diferente, e desconhece esses pressupostos.Se as famosas maletas da Abin podem ser compradas com facilidade por qualquer pessoa, a conseqüência prática não há de ser uma hipertrofia do poder do Estado. A chantagem e a intimidação se tornam via de mão dupla. Os ocupantes do poder têm sido, aliás, mais vítimas do que algozes no processo.Além disso, as práticas da "grampolândia" costumam ter como destino mais provável não o encarceramento do escutado, mas sim, por meio de vazamentos, as páginas dos jornais.

Tudo, nos tempos da Stasi e da KGB, terminava num porão. Agora, tudo se divulga à luz do dia. Crescem imensamente as ameaças à privacidade, mas a novidade está em que não parecem crescer, ao mesmo tempo, as condições para o surgimento de um Estado totalitário.

Na verdade, com todos os abusos que possam ser cometidos, uma autoridade grampeada é uma autoridade mais transparente, mais submetida ao controle da sociedade.A escuta telefônica pode ser manipulada para destruir reputações; mas o perigo, aqui, vem antes das possíveis irresponsabilidades da imprensa do que de qualquer tentação totalitária do Estado.

Não é por acaso que tantos protestos contra o "terror policialesco" dos dias atuais provenham das altas esferas do poder. Se escândalos sexuais tomassem o centro das atenções -como acontece no caso dos tablóides britânicos-, a revolta teria razão de ser. Mas o que se noticia são, acima de tudo, negociatas suspeitíssimas com o dinheiro dos contribuintes.

O poder descontrolado da polícia, levando para trás das grades pessoas somente pela suspeita de irregularidades, deve ser coibido, é claro. Atentados aos direitos individuais não têm desculpa. Em que medida, entretanto, o respeito à esfera privada está ligado ao respeito à liberdade individual?

Câmeras de monitoramento se espalham por toda parte. Aumentar seu número é até promessa de campanha dos candidatos a prefeito.

E como esperar que forças policiais, diante de ameaças como o terrorismo ou o narcotráfico, deixem de usar a parafernália técnica que criminosos organizados podem comprar com facilidade?

Não gostaria de saber, é claro, que minhas conversas telefônicas são grampeadas. Costuma ser terrorismo a idéia do "quem não deve não teme". Tenho meus temores, como todo mundo. Mas acho que muita gente está atemorizada demais.

Um comentário:

www.jotelog.cl/jornalintimo disse...

eles não fazem por merecer a confiança de ninguém, né
aí, dá nisso
bom texto mesmo...
vou começar a roubar tuas idéias, postar lá no fotolog e assinar meu nome
o que tu acha?
hehehe