quinta-feira, agosto 23

O meu Neo


Uma amiga minha contou-me que seu filho, após ganhar de brinde do Mc Donalds uma réplica do Shrek, que imita arrotos do personagem, passou a adotar comportamento semelhante. E não adiantou as reprimendas que vem recebendo para mudar o novo hábito incorporado à sua rotina. Amiguinhos no colégio que também receberam o mesmo brinde reforçam os barulhentos arrotos repetidos a cada oportunidade. O que antes era visto como um mau comportamento, ou falta de educação, agora é visto apenas uma brincadeira de petizes, motivo de risadas. Os pais que se acostumem com a idéia de que exercem cada vez menos controle sobre a conduta dos filhos. O poder está nas mãos da mídia.

Como se trata de um comportamento de criança visivelmente induzido a partir de um artefato criado com o objetivo de gerar vendas de junk foods e uma geração de obesos, o fato, em si, já gera preocupação. Mas apesar deste exemplo tão claro de como o mundo vem sendo moldado, a cada dia, ainda continuamos nos comportando como se estivéssemos dentro da matrix. Vivemos não uma vida que escolhemos, mas que nos é imposta, a cada momento, a cada segundo, pelas mais diversas formas de persuasão existentes.

Podemos adotar como exemplo a música que as pessoas aparentemente escolhem para gostar. Hoje, por onde se anda, percebe-se o quanto os forrós produzidos em escala industrial conquistam corações e mentes. Até parece que sempre se gostou deste estilo, desde até antes de nascer. Não há nenhuma reflexão de como as pessoas adotam um ritmo de vida, como se fosse o mais natural dos comportamentos. É mínima a percepção de que as músicas reproduzidas pelas calcinhas pretas da vida são encomendadas por um empresário que forma um grupo de músicos assalariados e passa a trabalhar em péssimas condições com o único objetivo e enriquecer o detentor dos bens de capital (instrumentos, contratos de shows, ônibus para o transporte do grupo, palcos, equipamentos de som). Com tanto dinheiro investido, o capitalista precisa ser bem remunerado. Os demais participantes do sucesso, que se conformem com as migalhas que irão sobrar, e um pouco de fama, fruto da comprada exposição na mídia.

A maioria das pessoas talvez não imagine que para as músicas produzidas industrialmente chegar aos seus ouvidos há um longo caminho cheio de percalços, pagamentos mafiosos, jabás e troca de interesses percorrido. O dono da banda grava um CD e paga para que as emissoras de rádio e televisão divulguem a exaustão aquelas músicas e aqueles pseudoartistas que certamente não teriam espaço em mídia não fosse isso. A cada nova cidade conquistada pelos piratas musicais, a rotina se repete nos meios de comunicação local. Páginas de jornais tecem loas, como se aquele sucesso fosse fruto de alguma genialidade. Estamos dentro da Matrix. O que parece ser real, não o é. O sucesso produzido a toque de caixa é apenas uma parte da engrenagem. O cenário real, apesar de sólido, passa despercebido com a cortina de fumaça da empulhação midiática. A maioria se encanta com o canto da sereia e consome a exaustão um grande entulho cultural. Não há vozes suficientes para demonstrar esta realidade, nem ouvidos querendo saber dela. O que vale é o prazer de a exibição de sensualidade explícita, movida muitas vezes a dançarinas de shape duvidoso e a satisfação dos seus instinto ele.

Esta é apenas uma das inúmeras facetas que nos são impostas. A cada objeto de consumo existe uma indústria invisível, ou até mesmo visível por trás. Marcas de grife, alimentos exóticos, expressões culturais, tudo com o objetivo de avolumar ainda mais a nuvem de dólares que circula o planeta a cada nova abertura da bolsa de valores. E como são escassas as mentes que se opõem a esta colonização movida a ouro! Por isso, muito me anima presenciar a lucidez de um Ariano Suassuna, que hoje soa como personagem de Cervantes que ele tanto gosta, mas que infelizmente não é capaz de trazer todos a uma compreensão maior do que seja a vida.

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