sábado, setembro 8

De costa e a costa


Dizia o governador e senador Virgílio Távora, em tom de pilhéria, que o Ceará é o centro do universo. Ou, pelo menos, assim, na visão dele, pensavam os políticos locais. Outro cara que conheci, sem nenhum sarcasmo, se considerava o centro do universo. Porque se fossem medidas as distâncias a direita, a esquerda, acima e abaixo dele encontrariam a mesma grandeza, seja ela qual fosse. Uma questão meramente física, geométrica ou espacial.

Dito isso, qualquer um pode se sentir tão eixo da mecânica celestial sem nenhum demérito para os demais. É somente um ponto de vista. Mas, convenhamos, isso não deixa de ter alguma ponta de magalomania, mesmo sendo a retórica rigorosamente verdadeira.

Escrevo estas mal traçadas porque tenho acompanhado de perto o surgimento do que seria o novo rap brasileiro. Assim imaginam os componentes do grupo Costa a Costa, que traduz no mais genuíno e criativo estilo o que se passa no gueto do gueto do gueto do gueto. Sendo o primeiro o Nordeste, o segundo o Ceará, o terceiro, a capital e o quarto a periferia da Capital . Ele não tem nada além do que mixtape gravada, reúne pouquíssimos fãs em suas apresentações, mas possui ao seu lado talento e criatividade.

A palavra nas letras deste rap (que lida com ritmos e suingues bem brasileiros) traz um retrato ampliado pela lupa da sensibilidade do que se passa nos corações e mentes dos que estão um pouco (ou muito) deslocados do eixo do consumo. Ou do consumismo. Mas, ao mesmo tempo, também querem andar de nike, colocar onças e dólares nos bolsos, desfilar de carro importado e outros bens supérfluos ou duráveis apostos em notas comerciais em todos os veículos de comunicação.

Costa a Costa veio para puxar a bandeira do resolva-se por si só sem esperar piedade de ninguém e para incomodar tantos quantos for possível. Se não der para progredir por vias normais em busca dos seus sonhos (notadamente os pagos com cash), a rua é o campo de batalha e você é o guerreiro que pode operar quaisquer armas. Seja um golpe boa noite cinderela, seja desdobrando o broto com rum, ou repassando poeira que passarinho não cheira para os bacaninhas zona sul. Afinal de contas, muito de vocês não sabem sequer quem são seus pais, porque então seguir algum manual de ética ou de moral?

Há quem diga que as mensagens do Costa a Costa são de puro otimismo (vide matéria veiculada recentemente no jornal o povo http://www.opovo.com.br/opovo/vidaearte/726875.html), contrariando a tendência de grande parte do rap nacional que transita entre a lamentação e o inconformismo, passando pelo desabafo em razão do sofrimento imposto aos periféricos irmãos. Mas na minha visão, o que se desenha a cada nova faixa é uma crônica do dia-a-dia na cidade vista pelo outro lado do fumê de hilux, mercedes e outros importados, ou de fora das grades dos condomínios antevistos pelo Rappa.

O talento é patente. Mas o segredo do sucesso pode passar ao largo dele, vide o entulho musical que reina absoluto em todas as ondas de rádio, em todos os palcos, em todas as regiões do pais. Chegar ao topo, mesmo tendo conteúdo é tarefa árdua, aonde não se chega atropelando os outros. Por mais impactante que isso possa ser.

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