sexta-feira, novembro 26

Hoje no morro não toca Raul


Uma casa que tem uma encanação velha, quando se tenta conter um vazamento, inexoravelmente a pressão vai abrir um furo em outro lugar. É só uma questão de tempo. Para mim, é exatamente isso que está acontecendo no Rio de Janeiro. O dono da casa resolveu sacudir o mundo do narcotráfico depois que carros começaram a ser incendiados em protesto por transferências de presos. A reação dos marginais serviu de mote na guerra da comunicação. Finalmente, a opinião pública ficou ao lado das ações policiais. Quem se comunica melhor é capaz de seduzir a comunidade com o seu discurso. Pode fazer tudo o que quiser, enquanto não perder o apoio popular.

E nessa balança, o lado do bem muda constantemente. Hoje, não se conta mais o número de morte de trabalhadores. Isso passou a ser efeito colateral. O cerne da questão é passar para a opinião pública a ideia de que o Estado, após dezenas de anos, voltou a ter o controle de regiões cariocas antes sob o poder de traficantes, milícias e afins. O que é verdadeiramente real conta muito pouco.

Ninguém está disposto a entender todo o processo que levou a este estado de coisas. O carioca quer de volta o direito de andar nas ruas de sua cidade sem ser alvejado, tão somente. O resto, pode ficar para depois. Não interessa ser discutido quem vai pagar a conta, aonde vai ser gerada a riqueza que irá encher as barrigas de homens, mulheres crianças e idosos, antes supridas pelo dinheiro advindo da venda de crack, maconha, cocaína e afins. Também não vale a pena ser detalhado o modelo que levou a tudo isso ser catalizado.

A espoleta foi a transferência de um certo Márcio Nepomuceno, também conhecido como Marcinho VP de uma penitenciária para outra. O Estado não conseguiu ao longo de vários anos impedir que um sujeito, de dentro de um presídio continuasse no comando do narcotráfico. O cara está há 11 anos detrás das grades e mesmo assim todos os seus comparsas ainda batem continência.

Não há como controlar a comunicação de presos com a comunidade. A Ordem dos Advogados do Brasil defende peremptoriamente que bandidos e advogados possam ter audiência reservadas, longe dos olhos e ouvidos das autoridades. Um juiz pode autorizar que qualquer suspeito seja grampado, vigiado, espionado. Mas um bandido com um rosário de crimes nas costas pode continuar controlando o crime, casando e batizando, sob as bençãos da tão bem conceituada instituição dos advogados.

Em uma democracia, todas as ações políticas visam a conquista da opinião pública. Precisa-se ter um discurso bem elaborado capaz de conquistar corações e mentes em cada passo que se deseja dar. O poder tem vontade própria e os homens se colocam a serviço dele, e não o contrário. Nunca. Agora está fácil de se invadir favelas com tanques de guerra, o que antes seria impensável. Mas esse jogo, como em várias oportunidades anteriores, vai virar. Logo, logo vão aparecer os autores de outros discursos. Pessoas inocentes estão morrendo, os problemas sociais não estão se reduzindo, a população continua sofrendo. É só uma questão de tempo.

O narcotráfico tomou de conta dos morros cariocas porque não rende voto ações enérgicas das polícias contra segmentos da população. As fronteiras foram relaxadas, porque o Brasil não produz coca. Toda ela entrou de alguma forma, e em muitos casos tiveram facilitadores. Já ouvi falar até de ambulância de prefeitura transportando droga. Mas isso é outro caso.

É claro que droga não é afeita somente aos países pobres. Todos têm seus problemas nessa área. Mas, sem qualquer dúvida, no Brasil a questão tem fortes componentes sociais. O exército do narcotráfico é infinito, enquanto houver jovens desesperançados, sem perspctivas de uma vida digna, sem condições de igualdade na árdua competição do capitalista mercado de trabalho. Todo mundo quer usar nike, todo mundo quer andar dentro dos panos, ir a shopping, ter namorado sarado e namorada loura. Por que só uns têm esse direito enquanto a grande maioria, não?

Um comentário:

Raquel Soares disse...

Primeiro, e atrasado, por incrível que pareça, eu uso trigonometria para fazer a topografia de um terreno. Mas na época do colégio, eu não tinha a menor idéia pra que servia, como muito tempo também não tínhamos idéia pra que servia a polícia. Agora ela tá aí, mostrando as caras. Por um lado, fico com a velha esperança que essa bodega toda tenha alguém pra botar moral, mas por outro lado, vejo um quê de tropa de Elite 2 nisso tudo e fico só esperando quando será que a polícia vai tomar o morro. Vai saber!
Ah, acho que os homens deveriam sonhar eram com as morenas que tem muito mais borogodó. Beijocas