sábado, agosto 28

Certo ou feliz?


Há dias uma determinada expressão me persegue e tem consumido alguns ATPs de minha massa cinzenta. Ser feliz ou estar certo? A princípio, todos se lançam rumo a felicidade. É claro que ninguém quer ser infeliz, mesmo que para isso precise cortar os dedos ou vender a mãe. Felicidade, na visão de alguns filósofos é a razão primeira da existência humana. É o que humaniza o homem e nos faz absolutamente diferentes de tudo o mais que possa existir na criação divina.

Sorte minha que por esses dias tive a oportunidade e a felicidade (olha ela aparecendo aqui) de cruzar com os pensamentos da filósofa judia-alemã Hannah Arendt que me lançaram algumas luzes sobre essa questão. A primeira delas é que faz sentido o meu primeiro insight de que ser feliz ou está certo é uma falsa dicotomia. Não há felicidade fora da razão, é a minha conclusão. Sem estar certo, a pessoa pode se manter na zona de conforto, evitar conflitos, tornar-se manso e dócil, assegurar a redução de eventuais tensões na busca por uma harmonização empírica. Mas nada disso pode ser visto como felicidade, na minha precária visão.

Hannah conheceu as atrocidades do nazismo in loco, expatriada que foi da Alemanha, em 1933. E não atribuiu os crimes praticados contra os judeus somente ao comando do poder germânico, mas, principalmente, aos pais de famílias, a grande maioria, que cruzaram os braços diante das maldades para não por em risco seus empregos, a condição que desfrutavam na sociedade alemã, o conforto, e em última análise, a suas felicidades comezinhas. O resultado deste não-comprometimento com o justo, o certo e a razão foi o desastre que se seguiu, com repercussões até hoje, mais de 60 anos após o fim da guerra.

Em 1963, Hannah escreveu sobre Eichmann em Jerusalém, o nefastamente famoso engenheiro da solução final, que levou milhões de judeus aos campos de extermínio. Ela considerou que o grande exterminador não era alguém terrivelmente mal, mas um típico burocrata que se limitara a cumprir ordens, com zelo, sem nenhuma capacidade de destinguir o bem e o mal. É claro que os judeus israelenses não gostaram dessa frase. Eles preferiram a espetacularização de proporções mundiais do julgamento do criminoso de guerra. Eichmann não poderia ser alguém "horrivelmente normal" como apregoou a escritora.

Quero deixar claro que o nosso juizo individual é sempre passível de imperfeições. Podemos nos admitir certos e dentro da razão em situações que um terceiro olhar não permitiria tal avaliação. Mas, por outro lado, não podemos ficar deslizando em falsas dicotomias ou se evadir totalmente de determinados confrontos interiores em nome de uma pax romana. É o que tenho a dizer no momento, procurando não ser cansativo, mas já o sabendo como tal.

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