terça-feira, maio 29

Nem tudo que ulula é o óbvio


Muito angu em pouca farinha


Fecha-se um televisão na Venezuela. Arrepia-se o mundo democrático-capitalista. É interessante como o simbolismo de qualquer situação tem muito mais peso que a realidade dos fatos. Sem nem se pestanejar, os arautos da livre iniciativa acentuam de forma veemente que está se afrontando a liberdade de expressão no vizinho país de Hugo Chavez (que é muito parecido fisicamente com um conhecido meu, diga-se de passagem). Para mim, são só definições abstratas, sem eco no mundo real. Acho que estão buscando razões por mais estapafúrdias que sejam para apear o cara do poder.

Se gente for para o extremo oposto, o país símbolo da liberdade de expressão, os Estados Unidos, vamos nos deparar com a House Commitee for the Investigation on Um-American Activities, (Comissão para Investigação de Atividades Anti-Americanas), que perseguiu, prendeu, censurou, e outras coisitas mais. E, ao que se sabe, nunca houve nenhuma mea-culpa da parte de quem impingiu este ritmo na vida da sociedade ianque. Gente como o ator Humphrey Bogarth, do elogiado filme Casablanca e a atriz Lauren Baccal, foram alvos desta ignomínia.

Nos Estados Unidos o diretor de documentários Michael Moore caiu em desgraça em grande parte da mídia, notadamente na emissora diretíssima Fox (se é se o país todo não é do mesmo jeito) porque expôs de maneira inequívoca o coluio existente entre as famílias Bush e a Bin Laden. Aliás o George praticamente assegurou a sua reeleição montado na popularidade adquirida a partir de uma fantasiosa guerra ao terrorismo. Osama, incapturável , transformou-se no principal cabo eleitoral da campanha republicana..

Hoje geram-se palavras conceituais para definir o lado do bem. O bom é quem é republicano e defensor dos direitos humanos e do estado democrático de direito. Quem se colocar contra estas abstrações está irremediavelmente do lado do mal. Seja em que momento for. E coisas parecidas com a Santa Inquisição imposta a judeus, mulçumanos, gregos e troianos continua a se repetir disfarçada das mais variadas matizes repressivas.

Em nome do Estado democrático de direito enforcou-se Sadam Hussein, coitado. Mas nada acontece a aqueles que criaram uma guerra e trucidaram milhares de iraquianos civis e inocentes, enquanto os canais da imprensa livre tratam estas mortes como efeitos colaterais do justíssimo combate ao terror mundial. Prova-se que não havia armas de destruição em massa no Iraque e o principal motivo da invasão ianque passa a ser apenas um detalhe. Não importa para que lado corre o rio. O lobo vai ser sempre o lobo e a ovelha nunca passará disso.

Canal de televisão na Venezuela, no Brasil, nos EUA, na Europa e na casa do chapéu é sempre uma concessão pública. Nos anos sessenta, alguns heróis da comunicação instalavam emissoras de rádio e de tv piratas (que depois se tornou nome de programa da rede Globo) além das águas territoriais (quem em alguns países não vão além de 12 milhas náuticas) para poder transmitir livremente. As antenas fixadas em terra firme eram e em muitas nações ainda são, de controle efetivo do Estado. Vide a BBC de Londres, só para citar a mais famosa.

A frase lançada pelo iluminista Voltaire, (de batismo François-Marie Arouet) "Posso não concordar com nenhuma das palavras que você diz, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las" é tida como verdade absoluta. Afinal de contas quem desafiaria contradizer tão renomado filósofo. Mas na prática, isso não existe. E não deve mesmo existir. Serão que neo (ou velho) nazista, pedófilo, KKK, racistas e coisas semelhante que o valham tem mesmo o direito de fazer proselitismo de suas idéias doentias? De sã consciência, qualquer um diria que não. Ou então a sua consciência não seria sã..

Mas vamos em frente. Um dos princípios do estado democrático de direito é o respeito às leis, de forma universal. E se as leis determinam que uma estação de tv é concessão, é porque o Estado está permitindo este direito a alguém e se reserva ao direito de subtraí-lo se esta concessão trair os interesses nacionais. ( da nação, bem dito, não do Estado).

Mas a porca começa a torcer o rabo quando se define quem tem o direito de dizer o que são os interesses nacionais. O bom e velho estado democrático de direito diz que é o chefe do Estado, quando este eleito pelo povo. E a vontade da minoria deve ser submetida a da maioria. A princípio Hugo Chavez teve, no voto, o direito para proceder toda esta celeuma, se levada em consideração a fria letra da lei. Mas isto não interessa, pelo menos circunstancialmente, a ser discutido pela mídia.

Se querem condenar o presidente venezuelano por interditar um canal de televisão, primeiro é preciso avisar aos incautos que ele está obedecendo rigorosamente o texto constitucional e vamos tratar de mudar a lei. Só assim, a Fundação Casa Grande, situada no Cariri Oriental, poderá colocar um canal de tv controlado por crianças e adolescentes. Enquanto isso não acontece, os equipamentos vão continuar encaixotados. E não me peçam para defender o Estado Democrático de Direito. A minha consciência, pretendendo ser sã, não me permite.

Para quem leu até aqui. A foto acima é do Humphey

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