quarta-feira, junho 29
Meia Noite em Paris
Woody Allen volta a ser Woody Allen no Meia Noite em Paris. O personagem protagonista é visivelmente o diretor-roteirista, se tivesse uns 50 anos a menos. Como o tempo passou, ele escalou Owen Wilson para o papel de Gil Pender, um roteirista hollywoodiano que se encontra infeliz com a sua condição escritor de filmes rasos, porém de sucesso, para as produtoras de cinema da California. Quer mudar o seu destino e viaja a Paris, ao lado de noiva e futuros sogros buscando inspiração para concluir o seu primeiro romance para não precisar mais se envolver com a indústria do show business de Los Angeles.
Porém não são só os roteiros que escreve que não o satisfazem. Às vésperas do casamento, demonstra uma certa tibieza com a sua decisão de ir ao altar, porém com uma alguma resignação. Afinal todos têm diferenças entre si, ele e a noiva também. Nada mais que isso. Os futuros sogros não gostam do quase genro, surgem diferenças até de ordem política. Eles são republicanos, em toda a extensão que isso representa e o protagonista, não. Bem woody Allen mostrando de forma escrachada toda a defesa empedernida do way of life da América que os americanos Wasp ainda se apegam. O diretor trata com ironia deslavada as tentativas dos sogros ianques de desqualificar a cultura francesa, sempre se colocando em um pedestal acima.
O desconforto que o roteirista tem com as produções de Hollywood são de ordem intelectual. Ele é bem remunerado e a noiva o incentiva a continuar na carreira. Porém ele não quer voltar a trabalhar em obras sem nenhuma profundidade ou qualidade artística. Woody Allen também despreza esse cinema da costa oeste. Tanto é assim que nunca foi buscar as estatuetas da academia que já arrematou. Prefere Nova Iorque ou paragens europeias.
Em Paris , Gil e a noiva Inez (Rachel Mc Adams) tem o azar (ou a sorte) de encontrar um ex-professor dela, Paul (Michael Sheen) que arrota cultura insinuando-se ser superior aos demais seres vivos. Porém, não demonstra nenhuma empatia com as obras visitadas ou com os autores. Prefere fazer descrições, empulhar dados e desfiar datas a falar sobre a essência das pinturas, arquiteturas ou esculturas. É claro que Inez, republicana como ela, se derrete com aquele ar blasé do professor. Gil, visivelmente descontente com a situação, busca programações alternativas e se desgarra da noiva durante as noites parisienses.
Depois de tomar alguns vinhos em um determinado bar da capital francesa, Gil se ver surpreendido por um carro antigo com aparência de recém saído de fábrica que lhe oferece carona. Não se relutar, ele aceita o convite e descobre que os seus hostess são nada menos que o casal Fitzgerald, que o leva para uma série de lugares, onde o protagonista conhece pessoas como Hemingway, Salvador Dali, Pablo Picasso, T.S. Eliott, e Gertrude Stein, que aceita ler o seu livro e oferecer sugestões para melhorá-lo. Afinal, há muitas diferenças entre roteiros rasos e obras literárias de qualidade e Gil ainda está inseguro quanto aos seus dotes literários. Gertrude era amiga pessoal de Picasso, Matisse, James Joyce e Hemingway e uma espécie de alterego de todos.
Gil se vê entre dois mundos. Aquele que ele tanto sonhava e que julgava ser o maior momento da evolução humana, os anos 20, na cidade que considera o modelo para humanidade, Paris, e o tempo real, onde uma noiva meio ou muito sem sal o aguarda para uma vida em que já está acostumado a levar e que apesar de tudo, acostumou-se e vive sem sobressaltos.
O contato com uma outra realidade possível lhe põe dúvidas. Acho que da mesma natureza das que teve quando resolveu separar-se de Mia Farrow e passou a viver com a enteada Soon Yi. O desfecho a partir daí torna-se previsível, principalmente porque foi impulsionado por incidentes de natureza carnal. Ele tem que decidir entre continuar com a sua vidinha ou se aventurar mudando-se para Paris e todas as representações que isso significa.
O filme é bastante instigante e nos leva a pensar sobre vidas possíveis, e a certeza que de só saberemos sobre o que iremos escolher. Os "ses" se perdem na linha do tempo. Muito bom filme, que não poupa nem os medalhões da cultura mundial, dando-lhes traços caricatas. Impagável Dalí sempre tão preocupado com as formas dos rinocerontes.
PS. Filme digno de um oscar, que nunca ganhará por ser um desafeto da academia.
domingo, junho 26
Esposa de Mentirinha
Comédias românticas têm um grave defeito. São sempre muito previsíveis. E esta não é diferente. Logo de cara, a gente identifica o casal que vai fazer par até o final do filme. Mas neste gênero, é também importante apreciar a paisagem. Sem dúvidas, Esposa de Mentirinha é um legítimo e forte candidato a uma sessão da tarde. Não mais que isso.
O filme conta a história de Danny (Adam Sandler) um cirurgião plástico que é avesso a relacionamentos duradouros porque quando jovem descobriu que a sua noiva havia sido infiel na véspera de seu casamento. Para se manter na solterice, finge-se de casado e infeliz em seu casamento, o que é suficiente para atrair a compaixão de outras mulheres jovens e igualmente solteiras nos bares da vida.
A tática funciona muito bem até que ele se apaixona por uma jovem professora, Palmer, que quer conhecer sua mulher e seus filhos. Danny faz a sua atendente, auxiliar e confidente Katherine (Jennifer Aniston) se passar pelo personagem inventado. O previsível movimento pendular entre um relacionamento e outro se passa no Havaí, onde surge Devlin (Nicole Kidman), um antigo desafeto de Katherine.
De positivo, vale a crítica a cirurgias plásticas e a busca eterna pela perfeição estética que tanto acompanha grande parte das mulheres. É apenas um filme divertido, dependendo da paciência de quem assiste. Nada mais. Alguns críticos o detonam. Mas não é tão horrível assim, acreditem. É só uma produção destinada ao público feminino.
sexta-feira, junho 24
Matador em Perigo e Assassinato à Preço Fixo
Depois de Homens com Cheiro de Flor, do Joe Pimentel, mais dois filmes sobre pistolagem me chegaram aos olhos, por esses dias. Matador em Perigo e Assassino à Preço Fixo. O primeiro é um triller de ação, refilmagem de uma produção de 1972, interpretado pelo sempre cara de mau Charles Bronson. O segundo, uma comédia.
Mas os dois tem uma coisa em comum: procuram fazer com que o público se identifique com o matador. Acho que isso tem a ver com o momento em que os Estados Unidos passam, se obrigando a promover assassinatos em vários pontos do planeta. Aliás, penso que nunca existiu um tempo em que os americanos não estivesse à caça de alguém fartamente estampado como inimigo da humanidade.
Em Assassino à Preço Fixo, o sempre canastrão Jason Statham faz o que está tão acostumado a repetir nas telas: exibição de músculos, alguma arte marcial, a impessoal expressão facial que serve tanto para mostrar felicidade, tristeza, alegria ou raiva. Quem já assistiu qualquer interpretação(?) desse ator viu todas. O assassino codinome o Mecânico, interpretado por ele, inicia o filme promovendo um assassinato contratado a preço de ouro na Colômbia. Claro, o inimigo deve ser controlador de algum cartel de coca, apesar de isso não ficar explícito. Nada mais justificado do que assassinar em território estrangeiro e nenhum julgamento formal um traficante.
Logo após esse assassinato que abre o filme, o Mecânico é contratado para dar cabo ao seu antigo contratante, sobre a alegação de que ele estaria pondo em risco a indústria de homicídios. É um velho amigo seu, mas fazer o quê, quem paga, tem direito ao serviço. O matador cumpre a missão, mas só depois descobre que foi enganado. E aí passa a perseguir os seus contratantes. Pronto, o filme é esse. Um caçada com todos os requintes de estúdio e de efeitos especiais que Hollywood permite. Tudo feito às claras e sem a menor preocupação com o aparelho estatal. Polícia não aparece sem como coadjuvante. Para quem gosta do gênero, boa sorte, ideologias à parte.
Matador em Perigo é mais divertido. Uma comédia onde o pistoleiro Victor Mainard ( Bill Nighy de Piratas do Caribe) passa-se por um lord inglês. Ou melhor, tenta ser esse lord, e até estuda francês. Mas ele não é o protagonista. Esse posto é ocupado por Rose (Emily Blunt de O Diabo Veste Prada), uma ladra inveterada, que rouba tudo que vê pela sempre. Ela resolve dar o seu golpe de mestre, vendendo uma falsificação de Van Gogh. Só que a tramoia é descoberta e o colecionador lesada contrata o pistoleiro para matá-la.
Porém, em vez de cumprir a sua tarefa, Mainard prefere defendê-la de outros pistoleiros, os próprios capangas do colecionador, que por conta e risco pretendiam executar Rose, numa tentativa de agradar o patrão. Após um tiroteio em um estacionamento de prédio, Rose e Mainard escapam em um carro e ela o contrata como segurança, sem saber que ele havia sido incubido de sua execução.
A comédia é bem divertida. E pelas informações não será levada as telas, se resumindo a DVDs em locadoras. Para ver sem compromisso.
Assisti também recentemente Sucker Punch, um filme estranho, que se alguém desejar posso comentar alguma coisa a respeito.
Matador em Perigo' (Wild target)
Elenco: Rupert Grint, Bill Nighy e Emily Blunt
A trama é uma refilmagem de Cible Emouvante, do diretor francês Pierre Salvadori.
Direção: Jonathan Lynn.
Assassino à Preço Fixo (The Mechanic)
Elenco: Jason Statham, Ben Foster, Donald Sutherland, Jeff Chase, Joel Davis.
Direção: Simon West
PS. Também assisti o novo X-Men. Nada a comentar. Mais do mesmo.
quarta-feira, junho 15
Homens com cheiro de flor
Não podia deixar de assistir a primeira direção solo do Joe Pimentel, que conheço desde o super 8 da Casa Amarela e das filmadoras em videocassete. Sempre o considerei uma ótima mão na câmera. Preciso, apesar das constantes queixas com tudo. Homens com cheiro de flor é interessante. Perceptíveis as influências dos irmãos Cohen, Tarantino e Sérgio Leone.
O tema central e a pistolagem ainda tão presente no cenário cearense, onde vida tem preço e o seu fim é determinado por quem pode pagar. No Homens Com Cheiro de Flor os pistoleiros estão vinculados de forma indivisível aos seus patrões. É um pacto que não pode ser rompido sob pena de tal ruptura significar uma traição. Os assassinatos atendem sempre a interesses econômicos dos patrões e são totalmente despidos de qualquer significado aos seus executores.
Deodato, vivido por Joelson Medeiros (ator que também participoou das Mães de Chico Xavier) quer mudar de vida. Mesmo sendo um sanguinário pistoleiro cumpre o seu ofício com alguma ética. Não mata crianças, mesmo quando essas transformam-se em testemunhas. Torna-se inimigo figadal de Custódio, porque em um trabalho feito em dupla seu parceiro não respeitou a uma pseudo ética que procurava impor.
As constantes crises de consciência de Deodato o levam a desistir da mundo da pistolagem, apesar de aparentemente não ter outro meio de vida. Queria também que seu filho não se envolvesse com este tipo de crime. De matador, passa a alvo e é liquidado. E a trama passa a contar a história da vingança. O seu matador Custódio havia se apossado da viúva de Deoadato e trata o enteado como o próprio filho, passionalizar ainda mais a história.
A história é contada de forma não linear, algo parecido com Reservoir Dogs. As cenas em flash back assumem tons pasteis enquanto o tempo atual são filmadas em cores. A cena inicial, vários corpos baleados em meio a dois carros em uma estrada carroçável do sertão lembra a abertura de Onde os Fracos Não Tem Vêz, dos Cohen.
O roteiro de Emmanuel Nogueira é bem enxuto. Só que as vezes fica faltando uma melhor constituição psicológica dos personagens.
Não podia faltar a medalhinha desviando uma bala que salva a vida do filho de Deodato. Cena tão comum em farwests italianos. Uma citação estilizada, tipo Encouraçado Potekim em Os Intocáveis.
Impagável o pistoleiro Zé Galego, que em todo o filme não mata nada além de uma bezerra, mas tira onda de experiente matador. Esse personagem é o protagonista das melhores tiradas.
PS. Procurei na net um o cartaz do filme, para ilustrar, mas parece que não foi feito nenhum.
PS2. Desejo boa sorte, e que um distribuidor possa ser encontrado. A produção merece um espaço para ser exibida.
PS3. Deixo a susgestão aos entrevistadores televisivos. O filme e o Joe rendem. Fazer cinema no Ceará, com a qualidade deste é coisa ainda rara.
sábado, junho 4
Eu sou o número quatro
É divertido. Nada demais para um filme que parece abrir mais uma franquia cinematográfica infanto-juvenil e envolve temas atuais e próprios da idade como bullying, dúvidas sobre o futuro, romance e aventura.
Em Eu sou o número quatro o universo está mais uma vez em guerra. Se em Herry Potter eram comensais da morte o inimigo, nesta produção são os alienígenas, que já destruiram o planeta do protagonista, John Smith, os adversários a serem derrotados no cenário planeta terra com toda a sua leva de contingências.
Em um mundo distante, em tempo que precede a narrativa, esses alienígenas mauzões destruiram a civilização do Número Quatro, e agora estão perseguindo na Terra um grupo de jovens que juntos teriam (super) poderes suficientes para irem a forra. A ideia é eliminá-los antes que cheguem à uma certa idade da adolescência quando esses poderes afloram, dando condições de combater o inimigo. Até lá, seriam alvo fácil. Por isso cada um dos jovens tem um tutor para protegê-los enquanto não são capazes de se virarem por conta própria.
A trama mais parece um piloto de um seriado do que propriamente um filme longa, mas é capaz de prender a atenção. A velha disputa entre o bem e o mal está em jogo. Os alienigenas do lago negro são caracterizados de tal forma que você não vai ter dúvida de que lado vai ficar. Há drama e não é drama, há ação e o filme não é propriamente de ação, ou é. Talvez entre uma coisa e outa. Mas a trama é suficiente para prender a sua atenção e você não precisará fazer nenhum esforço para entender a história.
ao final do filme, que é apoteótico e exige uma continuidade, há mais perguntas do que respostas dadas. Afinal, só sabemos da existência de nove escolhidos do planeta Lorien para destruir os invasores mogadorianos. E desses, só conhecemos dois vivos e um que é morto logo no início da estória.
Direção:
D.J. Caruso
Roteiro:
Alfred Gough, Miles Millar
Elenco:
Alex Pettyfer, Timothy Olyphant, Teresa Palmer, Dianna Agron, Callan McAuliffe, Kevin Durand
quinta-feira, junho 2
Entre a fome e a vontade de comer
"Há muito tempo, confesso, tenho dúvidas a respeito da realidade de uma esquerda brasileira, ao longo da chamada redemocratização e esgotadas outras épocas em que certos confrontos em andamento no mundo ecoavam por aqui. Tendo a crer, no momento, que a esquerda nativa é uma criação de fantasia, como a marca da Coca-Cola, que, aliás, o mítico Che Guevara bebia ironicamente às talagadas na Conferência da OEA, em 1961, em Punta del Este. Quanto à ideologia, contento-me com a tese de Norberto Bobbio: esquerdista hoje em dia é quem, aspirante à igualdade certo da insuficiência da simples liberdade exposta ao assalto do poderoso, luta a favor dos desvalidos. Incrível: até por razões práticas, a bem de um capitalismo necessitado de consumidores".
quarta-feira, junho 1
O que nóis vai fazer sócio
Para marxistas e rappers
Este trabalho tem por objetivo fazer uma avaliação crítica da música “O Mundo É Nosso”, do grupo de rappers de Fortaleza Costa a Costa, a partir de conceitos do pensador alemão Karl Marx. Neste trabalho iremos utilizar os conceitos de proletariado, fetiche, alienação e supraestrutura.
Marx imaginou que as expressões artísticas fazem parte da supraestrutura da sociedade humana, ao lado do estado, da igreja, e as instituições públicas e privadas. A arte é uma forma de transmitir ao meio social a realidade apreendida. Pela arte, segundo o autor, é possível tomar consciência das relações sociais de produção de uma determinada sociedade.
O rap é, segundo o Wikipédia (http://pt.wikipedia.org/wiki/Rap) em 26 de abril de 2011, é “uma fala rápida que precede a forma musical, um acrônimo para rhyme and poetry (rima e poesia)... é um dos cinco pilares da cultura Hip Hop que surgiu no final do século XX, entre as comunidades negras”.
“O Mundo é Nosso”, rap do Costa a Costa, retrata a vida em uma comunidade onde permeia o tráfico de drogas, a vida promíscua, ambições de dias melhores, embora não legitimadas pelo sistema dominante.
A favela insinuada pela música é mostrada inicialmente como uma área desprovida de garantias sociais do estado. “Nossos problemas nós resolve com os nossos revolve”, diz o autor da música, nos inserindo em um universo onde a presença do estado, se existente é absolutamente desprezada pela correlação de forças imposta pelo meio. A vida não é mediada pelo conjunto de leis estabelecido, mas pelo poder assegurado pelas armas. As relações repousam em outros códigos.
Dentro deste universo, o tráfico é visto não como uma atividade marginal, mas como um trabalho que visa a assegurar os meios necessários para o consumo, em uma comunidade desassistida. Da mesma forma, como o assalto, nominado na música como “157”, fazendo referência ao código penal, artigo em que se enquadra o autor de delito a mão armada. Comprar e vender armas são transações comerciais comuns no meio. “E me vê com a grana comprando a pistola, embora ele nem se toca o que vem, e gosta também das notas e não importa como vem”. Ou seja, todos querem consumir, independente da forma como se consegue a remuneração do seu esforço. O dinheiro é o fetiche que o impulsiona a vida criminosa.
O mundo da prosperidade é visto como um planeta distante, mas acessível através de laços amorosos. A mulher citada na música tem a perspectiva de dias melhores através de um envolvimento com um sueco. A Suécia é fetichizada como um país com condições muito superiores à vida na favela. Por isso, nada mais justo, na visão da mulher, do que abandonar o marido, que é apenas um “cu de cana” (consumidor de bebida inveterado), que já passou até por coma alcoólica. A vida dela não tem uma saída por meio de uma educação formal, ou políticas compensatórias possíveis, estabelecidas pelo governo. Ou ela arranja o casamento com o gringo sueco e muda o seu status social, ou está fadada a levar uma vida quase que totalmente excluída do sistema capitalista de consumo, senão como mão de obra barata fazendo trabalhos de baixa remuneração, ou dentro da informalidade.
Só que o amor do “gringo”, segundo a música, parece que também não se carrega de boas intenções. “Ele só pensa na filha dela, pensa nessa donzela de aliança na Suécia”. Ou, quem sabe vender a menina para o tráfico escravo existente na Europa: “Ele mente, ela voa nessa. Ele vende ela na Suécia”. Ou seja, as perspectivas aparentemente favoráveis podem ser muito arriscadas. O universo do consumo talvez seja, na realidade, o território do inimigo, onde as relações sociais dela estarão ainda mais precarizadas, dentro do sistema capitalista. Sua força de trabalho e até o seu corpo poderão lhe ser totalmente alienados.
O aparelho policial, também integrante da supraestrutura do estado, em vez de assegurar a segurança dos cidadãos mais economicamente favorecidos, se rende também à corrupção do narcotráfico, que gera lucros que são distribuídos aos trabalhadores policiais com a força de trabalho igualmente alienada pelo poder político. Talvez o salário do homem da polícia não seja suficiente para uma melhor participação no mercado do consumo capitalista, daí rende-se também ao dinheiro mais abundante e teoricamente mais fácil dos narcotraficantes. Na música, o policial é tratado como “cana”.
“ O cana engana mas se envolve também. O cana aguenta (retém) o revolver e depois vende para quem paga bem. Ele trabalha para quem distribui pó (cocaína) e bagui (maconha). O laranja (pessoa intermediária) vende ele aguenta e volta o bagui”.
A música também faz uma clara diferenciação entre o lúpen proletariado e o cidadão advindo das classes sociais mais favorecidas. O cidadão é tratado como “boy”, uma clara alusão a designação de playboy, que indica jovem advindo de família abastada em termos econômicos, visto em ambientes de diversão, algumas vezes transgredindo normas estabelecidas consuetudinariamente ou até mesmo previstas em leis estabelecidas. Já o contraventor pobre é considerado um facínora pelo sistema, onde 12 é o artigo do código penal que prevê o tráfico de entorpecentes.
“O boy com um 12 na esquina. Um é chamado vítima, o outro facínora. Um voltou da cela e o outro da clínica“.
Por esse trecho da música, temos a percepção da diferença de tratamento dado pelo estado aos jovens de classe média ou alta e os filhos do proletariado. Enquanto um recebe a atenção médica pelo vício de droga, o outro é visto como um marginal e mandado à prisão para espiar pelo seu crime.
A música também estabelece que as condições as quais é submetido o proletariado ou os marginalizados não raras vezes extrapolam a exploração capitalista aposta em leis. Se no Brasil temos a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, que prevê uma folga semanal, há ainda os que não conseguem nem obter as garantias mínimas, à alienação de sua força de trabalho. “Só que a mãe, ela luta demais, de segunda a segunda”.
O tráfico, então, que é mostrado como uma atividade criminosa, ao longo da música, já que é citado através do código penal, é também considerado alternativa de inserção no mercado de consumo.
“Ele prefere ter boca (ponto de venda de drogas) e vender as gramas (de cocaína, narcótico vendido através dessa medida de peso), ter boca e beber as (cervejas) brahmas , ser louco (usuário de drogas) e fazer uma grana (dinheiro)”.
A linguagem adotada pelo autor de O “Mundo É Nosso” é o mesmo português falado em zonas de baixo poder aquisitivo, que não se importa com as flexões verbais ou as concordâncias, o que parece ser uma abordagem do mundo excluído por dentro da cena, e não como um observador com um distanciamento científico dos fatos. O próprio título, que é repetido várias vezes ao longo da execução da música, mostra que há solidariedade entre o autor e o objeto focado pela peça artística, e ao mesmo tempo denota uma divisão entre os menos favorecidos e os mais abastados. ”Então o que é que nós vai fazer sócio”?
O Mundo é Nosso
Costa a Costa
Eu tenho história pra contar
Eu nem sei como vai terminar
Mas é fácil entender, tá ligado?
Fiz fé e resolvi o bagulho
Tenho problema, vários problemas
Tem que começar com problema
Tinha que ter um problema
Esse fila da puta quer me ser um problema
É pena, tem de resolver o problema
Porque sem esse problema
Eu já estou cheio de problema.
Nós é home nos resolve
Nós resolve com nosso revolve
Tenho um chapa com as armas em casa
Ele que tem as armas mais pala das área
Eu sei que é um dos cara mais mala das área
Mas ama esse pivete que não para em casa
E o moleque tá voltando da escola
E me vê com a grana comprando a pistola
Embora ele nem se toca o que vem
E gosta também das notas e não importa como vem.
Esse pivete anda com esse outro moleque, manja
Esse moleque é 157, mete bronca
Só que a mãe, ela luta demais
De segunda a segunda
E ele pergunta demais
Tipo: cadê meu pai, mãe?
Quem é meu pai?
E a surpresa vem
Esse cu de cana é o meu pai
O problema é seu, o mundo é nosso
Então, o que nós vai fazer sócio?
E esse cu de cana, você não acredita
Tem outra mulher tem outra família
É a terceira esposa na vida
Ela cansou, ela quer outra coisa da vida
Ele tombou em coma e ela nem ligou
Tá dando pro gringo que jurou que lhe tem amor
Mas o gringo só pensa na filha dela
Pensa nessa donzela de aliança na Suécia? Nan!
Ele pensa naquela seda
Ele mente, ela voa nessa
Ele vende ela na Suécia
E ela pensa que é igual a novela
Saca a Lecy?
Tem um samba que lembra ela
“Maria bela, linda na janela
Espera sorrindo o boy pintar na favela
É reencontro, olha que cena linda” .
Ela e o boy?
O boy com um 12 na esquina
Um é chamado vítima, o outro facínora
Um voltou da cela e o outro da clínica
O problema é seu, o mundo é nosso
Então o que nós vai fazer sócio?
Esse boy já não tem amor a vida
Perdeu a mulher no vício, perdeu a família
Gastou a herança do pai e fudeu com o irmão
Voltou pra casa da mãe e se perdeu no mundão
E esse 12, nessa vida
Daria um filme sobre
Inteligência investida no crime
Dia e noite
Orgulhoso demais
Não tem emprego
Disposto demais pra
Ter bolso e não ter dinheiro
Ter fome e não ter o leite
ter pé e não ter o tênis
ter boca e não matar a sede
ser homem e não usar o penis
Ele prefere ter boca e vender as gramas
Ter boca e beber as brahmas
Ser louco e fazer uma grana
O problema é seu
O mundo é nosso
Então o que nós vai fazer sócio?
Lembra do moleque sem pai
Bateu uma louca
Foi agüentar o boy
Desrespeitar a boca
Maria Bela da janela se queima
Ela liga pro 190, que coisa feia , nega
O 12 vê a treta, dispara umas bala
Os homem chega nas área
Os homem nem vê que ele rala
Porque o moleque fez o boy de refém
E o cana lembra que ama o seu pivete também
Porque o moleque parece o pivete de alguém
É tipo o filho do cana
Mas é filho do cu de cana
O cana engana mas se envolve também
O cana agüenta o revolver e depois vende
Para quem paga bem
Ele trabalha para quem distribui pó e bagui
O laranja vende ele agüenta e volta o bagui
O problema é seu o mundo é nosso
Então o que nós vai fazer sócio
Esse laranja falou merda de mais
Acabou com o nariz
Mergulhou na pedra e no gás
Se juntou com uma atriz
Que o chapa tava comendo
E me deixou sabendo
com quem o cara tava mexendo
Segunda seção
Esse irmão era o próximo no esquema
Era o próximo tema da próxima cena
Estilo Datena
Por coicidencia eu sei quem é esse irmão
Sabe quem?
O cara que me fez comprar a pistola
Problema é seu, o mundo é nosso
Então o que nós vai fazer sócio.
É tipo efeito dominó, chapa,
A solução do seu problema vira um problema pra alguém
E assim vai.
Todo dia tem alguém arrumando problema
Que vai acabar virando problema pra mim, tá ligado?