Para marxistas e rappers
Este trabalho tem por objetivo fazer uma avaliação crítica da música “O Mundo É Nosso”, do grupo de rappers de Fortaleza Costa a Costa, a partir de conceitos do pensador alemão Karl Marx. Neste trabalho iremos utilizar os conceitos de proletariado, fetiche, alienação e supraestrutura.
Marx imaginou que as expressões artísticas fazem parte da supraestrutura da sociedade humana, ao lado do estado, da igreja, e as instituições públicas e privadas. A arte é uma forma de transmitir ao meio social a realidade apreendida. Pela arte, segundo o autor, é possível tomar consciência das relações sociais de produção de uma determinada sociedade.
O rap é, segundo o Wikipédia (http://pt.wikipedia.org/wiki/Rap) em 26 de abril de 2011, é “uma fala rápida que precede a forma musical, um acrônimo para rhyme and poetry (rima e poesia)... é um dos cinco pilares da cultura Hip Hop que surgiu no final do século XX, entre as comunidades negras”.
“O Mundo é Nosso”, rap do Costa a Costa, retrata a vida em uma comunidade onde permeia o tráfico de drogas, a vida promíscua, ambições de dias melhores, embora não legitimadas pelo sistema dominante.
A favela insinuada pela música é mostrada inicialmente como uma área desprovida de garantias sociais do estado. “Nossos problemas nós resolve com os nossos revolve”, diz o autor da música, nos inserindo em um universo onde a presença do estado, se existente é absolutamente desprezada pela correlação de forças imposta pelo meio. A vida não é mediada pelo conjunto de leis estabelecido, mas pelo poder assegurado pelas armas. As relações repousam em outros códigos.
Dentro deste universo, o tráfico é visto não como uma atividade marginal, mas como um trabalho que visa a assegurar os meios necessários para o consumo, em uma comunidade desassistida. Da mesma forma, como o assalto, nominado na música como “157”, fazendo referência ao código penal, artigo em que se enquadra o autor de delito a mão armada. Comprar e vender armas são transações comerciais comuns no meio. “E me vê com a grana comprando a pistola, embora ele nem se toca o que vem, e gosta também das notas e não importa como vem”. Ou seja, todos querem consumir, independente da forma como se consegue a remuneração do seu esforço. O dinheiro é o fetiche que o impulsiona a vida criminosa.
O mundo da prosperidade é visto como um planeta distante, mas acessível através de laços amorosos. A mulher citada na música tem a perspectiva de dias melhores através de um envolvimento com um sueco. A Suécia é fetichizada como um país com condições muito superiores à vida na favela. Por isso, nada mais justo, na visão da mulher, do que abandonar o marido, que é apenas um “cu de cana” (consumidor de bebida inveterado), que já passou até por coma alcoólica. A vida dela não tem uma saída por meio de uma educação formal, ou políticas compensatórias possíveis, estabelecidas pelo governo. Ou ela arranja o casamento com o gringo sueco e muda o seu status social, ou está fadada a levar uma vida quase que totalmente excluída do sistema capitalista de consumo, senão como mão de obra barata fazendo trabalhos de baixa remuneração, ou dentro da informalidade.
Só que o amor do “gringo”, segundo a música, parece que também não se carrega de boas intenções. “Ele só pensa na filha dela, pensa nessa donzela de aliança na Suécia”. Ou, quem sabe vender a menina para o tráfico escravo existente na Europa: “Ele mente, ela voa nessa. Ele vende ela na Suécia”. Ou seja, as perspectivas aparentemente favoráveis podem ser muito arriscadas. O universo do consumo talvez seja, na realidade, o território do inimigo, onde as relações sociais dela estarão ainda mais precarizadas, dentro do sistema capitalista. Sua força de trabalho e até o seu corpo poderão lhe ser totalmente alienados.
O aparelho policial, também integrante da supraestrutura do estado, em vez de assegurar a segurança dos cidadãos mais economicamente favorecidos, se rende também à corrupção do narcotráfico, que gera lucros que são distribuídos aos trabalhadores policiais com a força de trabalho igualmente alienada pelo poder político. Talvez o salário do homem da polícia não seja suficiente para uma melhor participação no mercado do consumo capitalista, daí rende-se também ao dinheiro mais abundante e teoricamente mais fácil dos narcotraficantes. Na música, o policial é tratado como “cana”.
“ O cana engana mas se envolve também. O cana aguenta (retém) o revolver e depois vende para quem paga bem. Ele trabalha para quem distribui pó (cocaína) e bagui (maconha). O laranja (pessoa intermediária) vende ele aguenta e volta o bagui”.
A música também faz uma clara diferenciação entre o lúpen proletariado e o cidadão advindo das classes sociais mais favorecidas. O cidadão é tratado como “boy”, uma clara alusão a designação de playboy, que indica jovem advindo de família abastada em termos econômicos, visto em ambientes de diversão, algumas vezes transgredindo normas estabelecidas consuetudinariamente ou até mesmo previstas em leis estabelecidas. Já o contraventor pobre é considerado um facínora pelo sistema, onde 12 é o artigo do código penal que prevê o tráfico de entorpecentes.
“O boy com um 12 na esquina. Um é chamado vítima, o outro facínora. Um voltou da cela e o outro da clínica“.
Por esse trecho da música, temos a percepção da diferença de tratamento dado pelo estado aos jovens de classe média ou alta e os filhos do proletariado. Enquanto um recebe a atenção médica pelo vício de droga, o outro é visto como um marginal e mandado à prisão para espiar pelo seu crime.
A música também estabelece que as condições as quais é submetido o proletariado ou os marginalizados não raras vezes extrapolam a exploração capitalista aposta em leis. Se no Brasil temos a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, que prevê uma folga semanal, há ainda os que não conseguem nem obter as garantias mínimas, à alienação de sua força de trabalho. “Só que a mãe, ela luta demais, de segunda a segunda”.
O tráfico, então, que é mostrado como uma atividade criminosa, ao longo da música, já que é citado através do código penal, é também considerado alternativa de inserção no mercado de consumo.
“Ele prefere ter boca (ponto de venda de drogas) e vender as gramas (de cocaína, narcótico vendido através dessa medida de peso), ter boca e beber as (cervejas) brahmas , ser louco (usuário de drogas) e fazer uma grana (dinheiro)”.
A linguagem adotada pelo autor de O “Mundo É Nosso” é o mesmo português falado em zonas de baixo poder aquisitivo, que não se importa com as flexões verbais ou as concordâncias, o que parece ser uma abordagem do mundo excluído por dentro da cena, e não como um observador com um distanciamento científico dos fatos. O próprio título, que é repetido várias vezes ao longo da execução da música, mostra que há solidariedade entre o autor e o objeto focado pela peça artística, e ao mesmo tempo denota uma divisão entre os menos favorecidos e os mais abastados. ”Então o que é que nós vai fazer sócio”?
O Mundo é Nosso
Costa a Costa
Eu tenho história pra contar
Eu nem sei como vai terminar
Mas é fácil entender, tá ligado?
Fiz fé e resolvi o bagulho
Tenho problema, vários problemas
Tem que começar com problema
Tinha que ter um problema
Esse fila da puta quer me ser um problema
É pena, tem de resolver o problema
Porque sem esse problema
Eu já estou cheio de problema.
Nós é home nos resolve
Nós resolve com nosso revolve
Tenho um chapa com as armas em casa
Ele que tem as armas mais pala das área
Eu sei que é um dos cara mais mala das área
Mas ama esse pivete que não para em casa
E o moleque tá voltando da escola
E me vê com a grana comprando a pistola
Embora ele nem se toca o que vem
E gosta também das notas e não importa como vem.
Esse pivete anda com esse outro moleque, manja
Esse moleque é 157, mete bronca
Só que a mãe, ela luta demais
De segunda a segunda
E ele pergunta demais
Tipo: cadê meu pai, mãe?
Quem é meu pai?
E a surpresa vem
Esse cu de cana é o meu pai
O problema é seu, o mundo é nosso
Então, o que nós vai fazer sócio?
E esse cu de cana, você não acredita
Tem outra mulher tem outra família
É a terceira esposa na vida
Ela cansou, ela quer outra coisa da vida
Ele tombou em coma e ela nem ligou
Tá dando pro gringo que jurou que lhe tem amor
Mas o gringo só pensa na filha dela
Pensa nessa donzela de aliança na Suécia? Nan!
Ele pensa naquela seda
Ele mente, ela voa nessa
Ele vende ela na Suécia
E ela pensa que é igual a novela
Saca a Lecy?
Tem um samba que lembra ela
“Maria bela, linda na janela
Espera sorrindo o boy pintar na favela
É reencontro, olha que cena linda” .
Ela e o boy?
O boy com um 12 na esquina
Um é chamado vítima, o outro facínora
Um voltou da cela e o outro da clínica
O problema é seu, o mundo é nosso
Então o que nós vai fazer sócio?
Esse boy já não tem amor a vida
Perdeu a mulher no vício, perdeu a família
Gastou a herança do pai e fudeu com o irmão
Voltou pra casa da mãe e se perdeu no mundão
E esse 12, nessa vida
Daria um filme sobre
Inteligência investida no crime
Dia e noite
Orgulhoso demais
Não tem emprego
Disposto demais pra
Ter bolso e não ter dinheiro
Ter fome e não ter o leite
ter pé e não ter o tênis
ter boca e não matar a sede
ser homem e não usar o penis
Ele prefere ter boca e vender as gramas
Ter boca e beber as brahmas
Ser louco e fazer uma grana
O problema é seu
O mundo é nosso
Então o que nós vai fazer sócio?
Lembra do moleque sem pai
Bateu uma louca
Foi agüentar o boy
Desrespeitar a boca
Maria Bela da janela se queima
Ela liga pro 190, que coisa feia , nega
O 12 vê a treta, dispara umas bala
Os homem chega nas área
Os homem nem vê que ele rala
Porque o moleque fez o boy de refém
E o cana lembra que ama o seu pivete também
Porque o moleque parece o pivete de alguém
É tipo o filho do cana
Mas é filho do cu de cana
O cana engana mas se envolve também
O cana agüenta o revolver e depois vende
Para quem paga bem
Ele trabalha para quem distribui pó e bagui
O laranja vende ele agüenta e volta o bagui
O problema é seu o mundo é nosso
Então o que nós vai fazer sócio
Esse laranja falou merda de mais
Acabou com o nariz
Mergulhou na pedra e no gás
Se juntou com uma atriz
Que o chapa tava comendo
E me deixou sabendo
com quem o cara tava mexendo
Segunda seção
Esse irmão era o próximo no esquema
Era o próximo tema da próxima cena
Estilo Datena
Por coicidencia eu sei quem é esse irmão
Sabe quem?
O cara que me fez comprar a pistola
Problema é seu, o mundo é nosso
Então o que nós vai fazer sócio.
É tipo efeito dominó, chapa,
A solução do seu problema vira um problema pra alguém
E assim vai.
Todo dia tem alguém arrumando problema
Que vai acabar virando problema pra mim, tá ligado?
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