A moda agora é assistir séries, fazer maratonas, ficar final
de semana totalmente dedicado aos capítulos de uma nova temporada. Apelos e
serviços não faltam. Tudo ao alcance de uma assinatura de uma operadora de TV
por Internet. Com tanta demanda, a quantidade de bagulhos aumentou exponencialmente,
também. Porcarias para todos os gostos, salvo raras exceções.
Handmaid’s tale é uma dessas produções que estão bem acima
da média. Pelo menos a primeira temporada que foi disponibilizada apenas
através de serviços considerados piratas, no Brasil. Se quiserem descrições
sobre o conteúdo, há esse link no Wikipédia.
Mas a reflexão mais importante, não é bem esclarecida nos sites que encontrei.
A história trata de uma distopia em um futuro próximo, onde
o poder é assumido por fundamentalistas cristãos, que adotam a bíblia como o código de ética da
sociedade. É criada uma sociedade falocentrista, onde as mulheres sequer tem
direito a propriedade ou ao trabalho. Como a sociedade está declinando por
conta da baixa taxa de natalidade, homens da estrutura do poder, casados com
esposas inférteis, são autorizados a estuprar suas aias (mulheres de classes
inferiores). O ato recebe o nome de cerimônia, e é assistido pela esposa do
casal, que “abençoa” a relação em nome de uma maternidade, que irá assumir, com
o sequestro da criança de sua legítima mãe.
A bíblia é o eixo que ordena a sociedade e seus novos
costumes. A relação extraconjugal é justificada através do patriarca Abraão,
que também teve relações com a sua escrava. A mulher tem um papel totalmente
secundário. Algumas são casadas e administram as suas casas, e as demais são serviçais
não remuneradas, com os úteros apropriados pelo Estado, que define como, quando
e aonde elas irão copular, com o objetivo de apenas gerar filhos para a sociedade
patriarcal.
Para mim, a série, é baseada em um livro premonitório
escrito há 32 anos. Na época em que foi escrito, o Talibã sequer havia chegado ao poder. A
instrumentalização das crenças e do mito da existência de um ser supremo,
metafísico, onisciente é levada às últimas consequências na obra ficcional, como já acontece em
alguns países mulçumanos.
A lei
que vale não é exatamente o que está escrito, mas a interpretação que se dá ao
texto reconhecido como religioso. Assim, é fácil demonizar o inimigo, e
glorificar os seus aliados. A guerra civil nos Estados Unidos, que promove o
surgimento da república de Gileade, fundou-se de forma progressiva. Primeiro,
as mulheres foram proibidas de ter propriedades e de trabalhar, em seguida,
iniciaram-se as perseguições aos dissidentes, assim como ocorreu aos judeus na
Alemanha. Em terceiro, com a vitória política e militar, instaura-se uma
ditadura religiosa.
Infelizmente, no Brasil, já se pode ver passos sendo dados
na direção do fundamentalismo religioso, a quem tem um olhar mais atento. O
primeiro passo dado é a criação de novos conceitos que desqualifiquem o
inimigo. Como “escola sem partido”, que é a forma de bloquear qualquer
possibilidade de informações sobre sistemas políticos de esquerda, e a “ideologia
de gênero”, que tenta reduzir a meros comportamentos a diversidade cultural.
Claro que todo isso condenando movimentos políticos de esquerda e de emancipações
das minorias. Ainda está distante o Brasil se transformar em uma Gileade, mas
quando há gente que quer o retorno de uma ditadura militar no Brasil, e um
proselitista de torturas pode chegar ao poder, talvez a distância não seja tão
grande assim.
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