De repente é como eu estivesse de volta a uma sala de cinema exibindo um filme do Fassbinder, que gostava muito de produções baseadas em peças teatrais, com roteiros desenvolvidos em um único ambiente. É assim que desenvolve-se O Deus da Carnificina (Carnage), do diretor Roman Polanski, inteiramente baseado na peça com o mesmo nome, de Yasmina Reza, roteirista e atriz francesa. Fazia tempo que não assistia nada em formato de plot teatral.
A história conta, como bem sabem aqueles que tiveram a oportunidade de assistir a peça, o encontro entre dois casais, de meia idade, que tiveram seus filhos envolvidos em um conflito de adolescentes. Aos 11 anos de idade, o filho de Alan (Christopher Waltz) e Nancy (Kate Winslet) agrediu o filho de Michael (John Reilly) e Penélope (Jodie Foster), com uma vara de bambu. As razões do desentendimento são irrelevantes, nem sequer são apresentadas pelo filme. A única coisa que se sabe além da agressão é que dois dentes do agredido foram lesionados, mas as reparações serão cobertas pelo seguro de saúde.
O que o filme procura mostrar é a diferença de abordagem que o problema traz. E são quatro pontos de vista que parecem convergir para o ponto da civilidade e da possibilidade de uma convivência pacífica pós conflito, ao mesmo tempo que são diametralmente opostos quando melhor esmiuçados. Tanto pelo lado sexista. Os homens consideram normal que meninos, ingressando na puberdade, possam deixar aflorar o seu lado agressivo, e até formar gangues para demonstrar a sua ascendência sobre os demais meninos do mesmo grupo e sobre grupos adversários, enquanto que as mulheres abominam qualquer tipo de comportamento inamistoso, e remetem tais práticas a falhas de educação paterna.
Com o aprofundamento das diferenças entre todos, aos poucos vai se deslindando o que pareciam casais harmoniosos. Alan, um advogado aparentemente bem sucedido e sua esposa, Nancy, uma corretora de imóveis, mostram a sua face de uma relação já desgastada pelo tempo, onde a vida profissional já sufocou completamente a relação. Com efeito, durante toda o desenrolar da história, no interior do apartamento de Michael e Nancy, o diálogo entre os quatro é constantemente interrompido por ligações telefônicas de um cliente de Alan. Este não tem o menor pudor de voltar toda a sua atenção para o celular, enquanto os demais se perturbam com isso, ou fingem que não. Essas interrupções, a princípio, chegaram até mesmo me irritar, mas depois tornam-se hilárias. Assim como as constantes idas e vindas do casal visitante até a porta do elevador, para em seguida, por qualquer motivo, voltarem ao apartamento. E sempre por razões diferentes.
Polanski resolveu localizar a cena na cidade de Nova Iorque, meio querendo dizer aos americanos que não precisa voltar para o país para filmar novos filmes. Assim com Lars Von Trier, que adora cutucar o ianques, no território deles, sem nunca ter cruzado o Atlântico. Mas acho que ele também quis dar um ar de cosmopolita às questões abordadas no roteiro. Nada melhor que a cidade americana, possuidora de uma diversidade cultural ímpar.
O Rei da Carnificina é o que se pode chamar de comédia, apesar de as piadas em nenhum momento arrancarem nenhum riso. Só sorrisos de canto de boca, mesmo porque sua força, como qualquer peça teatral, está nos diálogos. Não que a câmera não estivesse beirando a perfeição, conseguindo quebrar, com os seus movimentos, uma provável monotonia de uma filmagem quase que totalmente em um só ambiente. Certamente, não é o melhor de Polanski, que já nos deu obras como Chinatown, Tess, O Pianista, Oliver Twist, Dança dos Vampiros e Faca na Água, mas é divertido.
quinta-feira, junho 28
sexta-feira, junho 8
Prometheus de Ridley Scott
Um libelo feminista,
onde duas mulheres estão no comando, e tomam todas as decisões,
apesar de inconvenientes para alguns homens. Uma delas mostra,
inclusive, como é capaz de se desfazer de uma gravidez indesejável.
Uma visão freudiana poderia reduzir Prometheus, de Ridley Scott, a
isso. A história, no entanto, nos remete aos principais segredos
ainda não revelados da humanidade. Quem somos, de onde viemos e por
que estamos aqui. É claro que não se trata de um estudo científico
ou filosófico. Scott apenas aponta uma direção, de forma
absolutamente ficcional. Em sua abordagem cinematográfica, a
humanidade foi gerada a partir de DNAs alienígenas, o que só
transferiria a origem da vida para outro ponto do universo.
A história tem início
em um passado incerto, quando um ser humanóide de outro planeta, às
margens de uma catarata, resolve se decompor, ingerindo uma
determinada substância com esse poder, liberando o seu DNA, sob as
vistas de uma nave alienígena. Isso sugere, então que o ser
humano, que viria surgir alguns milênios depois, teria essa origem.
Inevitável a comparação com 2001 Uma Odisseia no Espaço, de
Stanley Kubrick. Com um diferencial, já que na história original,
de Arthur C Clarke, é sugerido que foram os seres de outro planeta
que induziram o desenvolvimento da capacidade intelectiva humana, sem
haver doação de material genético.
Assim como em 2001, os
alienígenas também deixaram pistas para serem localizados. Os
monólitos da scifi de Kubrick são substituídos por desenhos em
cavernas e artefatos arqueológicos. Estes dariam a posição exata
no universo, de onde teria se originado a missão alien que trouxe
consigo a possibilidade do povoamento da terra. E são os arqueólogos
Elizabeth Shaw (Noomi Rapace, a Lisbeth Salander da versão sueca de
Os Homens que não amavam as mulheres) e seu namorado (noivo?,
marido?) Charlie Holloway (Logan Marshall-Green) quem matam a charada
e convencem a um megamilionário à beira da morte, que a a expedição
vale a pena.
A viagem para o planeta
indicado por imagens pré-históricas, provavelmente produzidas
pelos aliens que originaram a humanidade, é feita em animação
suspensa por longos dois anos e alguns meses, sendo administrada por
um robô de forma humana David que tem capacidades múltiplas. Mais uma
referência ao 2001 e seu supercomputador Hall. E como o seu
antepassado ficcional, ele tem também a capacidade de melar algumas
situações, criando nódulos dramáticos indispensáveis à trama.
Na nave Prometheus
surje também questões como quais são as prioridades da missão. Se
esta deve preservar o caráter meramente científico, na busca pela origem da
humanidade ou se há perspectivas econômicas a serem salvaguardadas.
Elizabeth pelo lado da ciência e Meredith Vickers (Charlize Theron),
herdeira do capitalista que financiou a expedição, se antagonizam,
inclusive sobre quem é o verdadeiro comando da missão. Meio
previsível saber para que lado a produção cinematográfica vai
pender, diante do histórico recente de desfechos de situações
semelhantes na indústria de Hollywood.
Daqui para frente, vão
alguns spoillers. A expedição ao chegar ao planeta indicado, se
depara com o que seria uma nave alien camuflada. A camuflagem só é
percebida com o desenrolar da trama. Aparentemente deserta, e no
interior de uma grande formação rochosa, aos poucos vai se
descobrindo que há formas de vida no local. É também encontrado
uma câmara de animação suspensa do que seriam os nossos
progenitores genéticos. Um único ser dessa espécie teria
sobrevivido a algum tipo de extermínio, que a princípio não está
exatamente claro. Mas depois se descobre que foi provocado pela
espécime que se consagrou em Alien, o oitavo passageiro, o inimigo
número um da tenente Ripley.
David, em uma das idas
até a nave, recolhe um material alienígena, e faz com que o
namorado de Elizabeth ingira desavisadamente. Uma atitude que pareceu
um mero experimento, mas que trouxe repercussões danosas a todos.
Charlie se transforma em um ser altamente destrutivo, e assassina
alguns tripulantes, reduzindo drasticamente a população.
O megamilionário
caquético, que se passava por morto, na realidade ainda está vivo
dentro da nave, e participa de uma nova ida para a nave alien, com o
objetivo de despertar o ser encapsulado. O velhinho tem a ambição
de encontrar uma fórmula de longevidade e prorrogar a sua miserável
existência, e se possível com um pouco mais de qualidade. Ou seja,
o que seria filantropia, passa a configurar uma ambição sem
tamanhos.
Mas o despertar do
espécime humanóide se mostra um erro. O ser é altamente hostil e
passa a matar todos os que estão em sua volta, chegando a separar a
cabeça do corpo do robô. A outra parte da expedição, que aguarda
na Prometheus, assiste a tudo. Vickers ordena a decolagem imediata da
nave, abandonando o restante da tripulação sobrevivente do acesso
de cólera do alien. Também é descoberto que aquela nave seria uma
arma de destruição em massa apontada para a terra. Parece que os
“nossos criadores”, não teriam gostado do resultado alcançado.
O grande mérito do
filme é a sua capacidade de gerar tensões. David, logo de início
dá mostras do seu desapego a qualquer diretriz que coloque a vida da
tripulação como prioridade. Mas não chega a demonstrar a paranóia
delirante de Hall ou de outros intelectos eletrônicos que piram o
cabeção, tão comuns em produções scifi. Ele é também a chave
da sobrevivência de Elizabeth, deixando de lado o maniqueísmo onde
há um lado essencialmente bom e outro inapelavelmente ruim. Achei
uma sacada esse desfecho. Mas também aparece a questão salvar a
pele ou a humanidade. Que achei meio clichê, mas orgânica para o
desfecho da história, que se propõe a ser a protogênese de Alien o
oitavo passageiro.
A estória, mesmo com
as semelhanças com 2001, uma odisseia no espaço é instigante, e
não faltam cargas de suspense, e alguma escatologia própria de
Scott, que nos pede alguma fortaleza de nossos estômagos. Foi uma
boa diversão. Só que o 3D é absolutamente dispensável, sob todos
os aspectos. Só um jeitinho de os distribuidores cobrarem a mais por
um produto que custa a metade.
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