domingo, julho 15

Para Roma, com amor - Woody Allen




Para quem gosta de Woody Allen interpretando a si mesmo em seus filmes, Para Roma, com amor, traz o diretor-ator em grande estilo. Mas em doses homeopática, uma vez que a produção reúne quatro estórias, em formato de esquetes que não se tangenciam em nenhum momento, senão por acontecerem todas em território romano. E, como sempre em películas rodadas em solo europeu, com personagens americanos. É divertido, descompromissado, e sem muitas referências intelectuais como o anterior Meia Noite em Paris. Um Woody Allen que retoma um humor que não chega a ser ácido, nem pastelão, que é capaz de arrancar boas risadas da plateia, e também produzir piadas que não vão além de um sorriso de canto de boca. Vale.

Os esquetes mostram a jovem Hayley americana (Pill), que, em viagem turística à Itália, conhece o advogado ativista italiano de esquerda Michelangelo (Parenti). Logo, os pais da moça, Jerry e Phyllis (Allen e Davis), viajam para Roma e Jerry, um diretor de ópera aposentado, fica encantado ao ouvir a voz de tenor de Giancarlo (Armiliato), pai de Michelangelo – até que percebe que o sujeito só consegue cantar sob o chuveiro. Enquanto isso, em outro ponto da cidade, o arquiteto americano Jack (Baldwin) despede-se da esposa para fazer um passeio solitário pelo bairro no qual morou quando jovem – e lá conhece John (Eisenberg), um estudante que o leva para conhecer sua namorada Sally (Gerwig), cuja amiga Monica (Page) acaba de chegar dos Estados Unidos, despertando o interesse do rapaz e levando Jack, cuja natureza discutirei adiante, a aconselhá-lo. Já numa terceira história, passamos a acompanhar o comum Leopoldo (Benigni), que subitamente se vê alçado à fama sem compreender exatamente a razão, ao passo que, na última trama criada por Allen, vemos um jovem casal que, chegando a Roma, se separa momentaneamente levando a uma série de confusões: enquanto ele (Tiberi) recebe parentes que confundem a prostituta Anna (Cruz) com sua esposa, a moça (Mastronardi) se envolve com um renomado astro do cinema italiano.


Em todas as estórias há um ponto em comum. Como são representadas no imaginário dos personagens  o que seria a realidade pessoal de cada um. Em cada esquete percebemos realidades distorcidas pelos desejos de seus personagens, ou então mecanismos fazem a interpretação do mundo real ser mais palatável.


Vamos, a partir daqui, abordá-los com spoilers



LEOPOLDO


Entre as mais estranhas distorções está a transformação de Leopoldo em um pop star, ou sexy simbol, a sua escolha. Do nada, como por encanto, ele passa a ser visto pelos meios de comunicação como alguém que deva ser reverenciado. A partir daí, tudo o que faz se transforma em notícia para os seus fãs ávidos por informações sobre o seu astro de ocasião. Nada nos é mostrado sobre a ascensão meteórica ao panteão olimpiano de nosso personagem-protagonista, mas tão somente os impactos causados pela glorificação do seu ser. Ele passa a não ter mais privacidade, a ser entrevistado sobre o que comeu no almoço, comparece a programas de entrevistas, e passa a ser feericamente a ser assediado por mulheres que querem seus préstimos sexuais. Seus dias de glórias são pontuados por uma limousine a sua disposição e um motorista que passa a ser o seu alter ego. Desaba-se rosário de lamentações sobre a perseguição de paparazzis, e Leopoldo passa a desejar sua antiga vida de volta. É um caso ter de passar por esses momentos!


Leopoldo é uma crítica ao mundo da fama. Em momentos hiláricos, o esquete nos leva a alguma reflexão sobre o quanto são idiotizadas as pessoas que se derramam em paixões pelos seus ídolos. Em especial, a groupies, mas também aos que são alavancados ao status de famosos, que desfrutam de todas as benesses que a fama pode trazer, mas que não param de reclamar dos veículos de comunicação que os expõem. A fama que põe o feijão na mesa é rapidamente transformada em algo nefasto, mas que ninguém quer perder, sob pena de também lançar na vala tudo o que conquistou com esforço, ou não.  E o fim da fama, que acontece todo dia para alguém, não é algo que ninguém procura, mas que está fadado a acontecer por conta de decisões meramente midiáticas.

JERRY

Jerry é o diretor de ópera aposentado que rejeita a sua condição. Considera-se morto em vida por não praticar mais o seu ofício. Não tem na sua carta de apresentação nenhum grande sucesso. Pelo contrário. Conseguiu fracassar em peças óbvias por buscar inovações que foram rejeitadas tanto pela crítica como pelo público. "Um homem a frente do seu tempo", como repetia muitas vezes, para justificar os reveses profissionais. Mas descobre uma bela oportunidade de retornar à ativa ao ouvir Giancarlo, o pai de seu genro, cantando liricamente ao tomar banho. Abraça a oportunidade de voltar à direção de ópera com o seu astro recém descoberto.

Uma dificuldade então surge em seu caminho, Giancarlo só consegue as interpretações em alto nível quando está se banhando. Jerry, para contornar o problema, coloca-o sob um chuveiro em todas as cenas ele aparece cantando, causando a ira dos críticos, ao mesmo tempo que arrancava palmas das plateias. Aqui vai uma alfinetada nos intelectuais que menosprezam determinadas obras artísticas de gosto popular. Esse esquete também traz um antigo conhecido de filmes do diretor, onde as ideologias de esquerda e de direita se antagonizam e ambas soam como absolutamente imbecis e desprovidas de racionalidade.

JOHN

Qual o tamanho de nossas convicções amorosas? É o que este esquete procura discutir, com fortes doses de humor. John se diz apaixonado por sua namorada Sally, e incapaz de trocá-la por qualquer outra pessoa, muito menos pela amiga dela, Monica, que vai visitá-la após um romance desfeito. Monica não conseguiu demover seu ex-namorado de suas inclinações homossexuais. Apesar de inúmeras tentativas.

John conhece na rua o arquiteto de shoppings Jack, que sem que nos seja dada nenhuma sinalização sobre isso, passa a ser o grilo falante de John, como que destituído de sua fisicalidade, pois está presente até em cenas insuspeitas,  antecipando cada passo que John irá dar rumo a uma paixão desenfreada por Monica, apesar de todas as rejeições anunciadas. Funciona meio como que um pedido de desculpas de todos homens que um dia foram infiéis e pensaram em cometer loucuras em nome de um novo amor que surge


NOIVOS

Por fim, há o esquete em que um casal de noivos chegam a Roma, e ela consegue se perder dele por conta de uma ida ao cabeleireiro. Não queria receber os parentes de seu consorte sem se preparar esteticamente para tal. Só que ela se perde no meio do caminho, enquanto uma prostituta se enfronha no quarto deles, e se passa pela noiva, para evitar um constrangimento maior perante os parentes, que chegam ao hotel, onde eles estão hospedados.

Em meio a um labirinto de ruas e vielas, a noiva não reconhece as ruas e não consegue retornar ao hotel de onde saiu. Bela que é, um famoso ator italiano se sente atraido por ela, e passa a assediá-la, no mesmo restaurante em que estão o seu noivo, a prostituta que se passa por ela e os parentes do noivo. Cenas hilárias brotam desse quadro non sense.


Vale salientar que as cenas de cada esquete não obedecem a linearidade, onde os cortes funcionam como um pulo de uma história a outra, tornando o desenvolvimento mais dinâmico. Em nenhum momento há perda de clareza por conta dos recursos utilizados.







segunda-feira, julho 9

Dentes Caninos - Lanthinos

Este filme grego, de estreia do diretor Yorgos Lanthinos, disputou o Oscar na categoria Melhor Filme Estrangeiro, em 2011. A gente pode dizer que ele é no mínimo estranho. Conta a história de um casal e seus três filhos jovens (duas moças e un rapaz), entre adolescentes e jovem adulto, que vivem no mais completo isolamento. Somente o pai sai de casa diariamente, para trabalhar, deixando todos os demais sem nenhum contato com o mundo exterior, nem mesmo através de rádio, televisão, ou até mesmo música. Telefone ou livros, nem pensar. 


A única forma de aprendizado dos filhos se dá através de fitas gravadas pelos próprios pais, que ensinam palavras com o sentido distorcido. Uma busca de manter a dominação total através da linguagem. Carabina é um pássaro, e Zumbi é uma pequena flor amarela, na livre associação de sentido, criando um mundo artificial. Os aviões que cruzam o céu são apresentados como se fossem de brinquedo, e que volta e meia caem um no quintal. Para alegria daqueles jovens idiotizados. A únicas imagens possíveis de serem vistas numa antiga TV são as que eles mesmo produzem em câmeras de videocassete. 


A paranoia do pai é manter os filhos afastados de todos os possíveis perigos que o mundo exterior possa apresentar. Ele forja um mito de que só é possível deixar a casa de carro. E para dirigir o carro, os jovens precisam atingir a idade em que o dentes caninos vão cair e serem substituídos por outros. Um mito que perdura. O único ser estranho que adentra ao lar é uma vigilante da fábrica em que o pai trabalha, contratada para satisfazer os desejos sexuais do filho mais velho. Ela sempre chega vendada ao local onde a casa está encravada, bem a esmo. Não há vizinhos, e tudo funciona sob o mais rigoroso controle do pai. 


A história assume contornos do Mito da Caverna de Platão, ou de Matrix, dos irmãos Wachowski, onde o verdadeiro mundo é totalmente velado aos filhos, com a diferença que não existe a pílula vermelha a ser tomada.Também tem umas pinceladas de George Orwell, que em 1984 nos apresenta a Novilíngua, transformando o sentido das palavras. Mas o controle nunca chega a ser total, como sempre nos mostra as tradições. Um sentimento de liberdade há de brotar, mesmo onde a tirania é suprema. 

As diversões dos jovens sempre se voltam para algum tipo de crueldade. Há algo de sádico ou de masoquismo no ar. Logo no início do filme, a mais jovem mobiliza os demais para uma disputa sobre quem consegue manter o dedo por mais tempo aparando a água de uma torneira de água quente. O roteiro do filme parece querer mostrar que até mesmo quando se procura controlar os pensamentos das pessoas, alguma forma de violência é gerada. 

A questão dramática de fundo é. Esses jovens vão ficar submetidos ao jugo do pai, que é psicoticamente movido pela boa intenção de defender os filhos do resto do mundo. Ou será que eles vão tentar uma fuga? O sentimento de liberdade, inerante em todos os seres humanos irá um dia surgir no coração daqueles pobres coitados? 

 Daqui para frente, vamos de spoiler. A vontade de se ver livre daquele ambiente aparentemente estéril mas carregado pelo desejos dominadores do pai se fortalece quando a agente de segurança contratada para servir ao rapaz é duramente dispensada porque teria concedido um filme para menina mais nova, mediante chantagem. Diante a demissão, o pai resolve criar um ambiente promíscuo onde os filhos realizem seus desejos sexuais. Só que ele não esperava que a filha mais velha, que é servida com objeto sexual do irmão tivesse uma reação tão repulsiva, ao ponto de não querer mais permanecer naquela casa. O sexo tem o papel de catalisador, como em toda a história da humanidade, e mobiliza a fuga da menina, daquele ambiente, mostrando a completa impossibilidade de se prever a reação das pessoas diante dessas situações. O que pode ser visto como uma coisa agradável é capaz se transformar  se transformar no pior dos infernos, dependendo de como ele é representado subjetivamente. Para homens e mulheres, a sexualidade tem contornos distintos, como pretende passar Dentes Caninos.

A direção do filme é competente, mas conservadora. A história se desenrola de forma linear e harmônica, com cortes de cenas secos e pouco poéticos. Talvez para manter o espírito árido, quase asséptico, que é buscado pelo pai, durante toda a história. Isso não impede que também seja gerado um clima tenso e nervoso, que acompanha todo o desenvolvimento do roteiro, que demonstra claramente que a insanidade do pai percorre todo aquele ambiente. Não é uma história fácil de ser digerida, mas capaz de gerar conceitos polissêmicos e um certo estranhamento em algum desavisado. Achei interessante.